segunda-feira, 21 de março de 2016

Coração Catarina*

*Publicado originalmente em http://republicadesantacatarina.org/coracao-catarina/


Acho interessante a forma como os catarinenses são. Existe algo que eu não sei bem o que é. Queria partilhar com esse texto algumas impressões que tive ao pensar um pouco sobre quem realmente é o “catarinense” e o real significado dessa palavra.
            Na última vez em que estive em São Paulo, estava no aeroporto e encontrei um grupo de homens de meia-idade, todos com camisas azuis com um emblema de uma sociedade de pesca. Ao que me parecia eles tinham ido até São Paulo pra participar de algum evento, ou algo do tipo. Alguma coisa que eu não sabia o que era me chamou atenção naquele grupo.
            Não sei se era o jeito como falavam, ou se era o seu comportamento, ou sei lá o que. Mas eles tinham algo de familiar. Achei que eu talvez os já tivesse conhecido em algum momento. Fui ao banheiro e quando voltei pude ver na camisa de um deles, bem pequena e discreta, a bandeira de Santa Catarina. Foi aí que eu entendi tudo. E foi aí que entendi realmente quem eu era.
            Eu percebi a partir daquele momento que o catarinense é catarinense onde quer que vá. Não importa onde ele esteja, ou o que esteja fazendo, ou há quantos anos ele more fora da sua terra. Ele sempre será um catarinense.
            Em outro momento conheci em Brasília uma moça que era de Chapecó. Nós ficamos por horas papeando sobre as particularidades da nossa terra. Frequentemente, quando encontro algum catarinense fora do estado, é comum conversarmos sobre coisas que só encontramos aqui. Laranjinha Água da Serra, Rollmops, chineque, cuca de banana de um jeito que só a sua avó sabia fazer. Esse tipo de coisa que dá saudade pra quem vai embora.
            Mas a verdade é que existe no catarinense algo que transcende a sua cultura. É algo intrínseco ao seu próprio ser. Isso é o que realmente chama a atenção. A minha, pelo menos.
            Ponha um catarinense na minha frente, sem me dizer donde é. Certamente ele será reconhecido em alguns minutos de conversa. Não é pelo sotaque, pois Santa Catarina não tem um sotaque próprio; é o jeito de falar. Não é a cor da pele, porque Santa Catarina não tem raça definida; é o jeito de se expressar. Não é qualquer coisa frívola e sem importância. Não é algo que se aprende. É algo que está preso, enclausurado, fundo na alma e no coração de quem teve a honra de nascer nessa terra.
            Acho que é isso mesmo. Acho que o catarinense, por ter devotado séculos de trabalho e de sangue à terra em que nasceu, suas gerações futuras já se sentem como parte da própria terra, donde tiram seu sustento. Muito sangue foi derramado pra que pudéssemos hoje desfrutar do que temos. Isso parece ter ficado marcado em nosso espírito, algo quase místico, que está além da minha compreensão.
            Não sou sociólogo, nem tenho a pretensão de ser. Não quero fazer um ensaio sobre a personalidade do povo de Santa Catarina, muito menos um estudo científico. Esse texto é basicamente a minha impressão, que tive, que fica. Hoje eu sei que nunca deixarei essa terra em que nasci. Não seria capaz. Mesmo que me fixasse em uma terra distante, aprendesse outra língua, comesse outros pratos, e me comportasse de outra forma, eu teria talvez até saído da terra. Mas a terra jamais sairá de mim.
            Uma das coisas que mais gosto de fazer é viajar pelo interior do estado. Olhar as plantações de milho e de soja, as paisagens com araucárias que se erguem inertes, imponentes em meio aos pastos de gado. E quando faço isso sempre me lembro dos primeiros que chegaram ali, os primeiros colonizadores. Quando contemplo essa paisagem eu percebo que é a esse lugar que eu pertenço. Não é a nenhum outro. Uns tempos atrás visitei Fraiburgo e me senti verdadeiramente em casa ao andar em meio às plantações de maçã, comendo a fruta diretamente do pé. Em nenhum lugar eu me sinto tanto em casa quanto aqui.
            E isso eu vejo em todos aqueles que nasceram aqui. Há sempre um amor e um orgulho de ser quem é, mesmo que nem sempre se perceba. Hoje eu posso dizer que tenho uma pátria, não aquela que me enfiam goela abaixo nos comerciais da TV, mas aquela onde eu nasci. A terra onde eu me criei. A terra onde meus ancestrais se estabeleceram e trabalharam até morrer pra fazer dela a sua casa, seu novo lar.
            Essa terra, minha casa, essa terra é Santa Catarina.

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